Nuestros Hermanos

Outro dia estava a dar uma reportagem na televisão sobre Portugal. Eles andavam pela rua a perguntar aos portugueses o que achavam de Espanha, até que há uma rapariga que diz: “eu adoro os nuestros hermanos espanhóis”. A minha amiga espanhola começa a rir-se. Não, corrijo, tem um ataque de risos incontrolável e comenta quase a engasgar-se: “Como assim vuestros hermanos espanhóis?”. Eu, meio envergonhada, explico-lhe que como pertencemos à Península Ibérica e somos “vizinhos”, nós costumamos referir-nos a Espanha como nossos “irmãos”. Então ela pergunta: “Mas esse sentimento não deveria ser mutuo?”.
Eu fiquei a olhar para o vazio, com cara de filho que acabou de descobrir que era adoptado e respondi-lhe, apelando ao sentimento:
- Se calhar nós gostamos mais de vocês que vocês de nós.
- Não é isso – diz ela - É só que nós não costumamos sequer falar de Portugal.
Eu engoli fundo e aceitei a derrota. Chamem-lhe prepotência ou complexo de superioridade, mas parece que os laços de sangue já não tem a importância de antigamente. Sugiro que deserdemos este irmão mal agradecido. (Se Portugal morresse, deixaria herança? Ou só dividas?)

Comia-te com batatas

Tenho uma nova expressão preferida. É que quando um espanhol gosta muito de uma pessoa diz, “Ah, adoro o fulano, comia-o com batatas”. A primeira vez que ouvi alguém fazer este comentário, derreti. Mas à medida que fui escutando mais e mais vezes a expressão, comecei a pensar em como comeria eu as minhas coisas preferidas:

Os jornais, eu devoraria com azeitonas verdes, a literatura, com um waffle de caramelo, as series americanas, com pipocas salpicadas de queijo ralado fininho. Para acompanhar o pôr-do-sol eu escolheria uma tosta mista, e o amanhecer, eu combinaria com churros recheados de morango.
Quando tiver que comer todas as minhas viagens pelo mundo, escolho saboreá-las com um kebab, os passeios de barco combinam mais com camarões e molho rosa e os picnics com sandes de pasta de atum. Com muita maionese.
As noites com amigos, eu cearia com pão com chouriço e arroz doce, mas o erasmus em Torino, eu não comeria: beberia com vinho de garrafão. As cafezadas pedem scones e a faculdade cheira àqueles croissants com chocolate do Chiado que eu nunca cheguei a provar. Cascais lancha-se com gelados do Santini e Lisboa merenda-se com Pasteis de Belém. No Algarve alimentar-me-ia de Dons Rodrigos e no Porto de uma completa, picante e bem recheada francesinha.
Quando tiver que comer a Galiza, como-a com pulpo a feira. A Coruña, prefiro devora-la com as empanadillas do Tahona e Vigo com as Tapas do Barril. Já Madrid, por agora, combina mais com a Telepizza.
Mas quando penso em comer a Espanha (e que vontade tenho de devora-la), não vislumbro outra opção. É que este País Hermano tem mesmo de ser comido com quilos, quilos e mais quilos… de batatas.

Gravando!

Até foi rápido. Foi só preciso trocar o circunflexo do platô e dar-lhe um agudo bem em cima do o. “Um grampo na cabecinha da avó e um chapéu para proteger a nuca do avô”, foi como aprendi os acentos quando andava na escola. Sendo assim, este platô tinha a franja nos olhos e precisava de um grampinho.
Depois foi preciso assimilar que por aqui a “ofi” é a “oficina” que, por sua vez, não arranja carros, mas é o nosso escritório de computadores “Acer” com problemas de ultra sensibilidade. Seguindo neste mundos dos calões das pessoas apressadas, não há tempo para dizer “representante”. Eles ficaram, então, designados como “repres” e cada actor tem um. São chatos e acham-se importantes (os repres, há que esclarecer).
Voltando ao nosso assunto de hoje, o primeiro ensinamento que eu daria a um novo trabalhador desta empresa/mundo seria aprender a sussurrar. Na verdade, perguntaria isso logo na entrevista, assim, de cara podre: “sussurre aí uma frase”, a ver se se percebia bem o que o dito cujo queria dizer. Menos mal que não me pediram tal coisa, que os que me conhecem sabem que tenho graves problemas em falar baixo e articular palavras (essa foi a grande sorte dos meus professores, já que sempre que dizia alguma “cabula” nos testes, recebia de volta uma careta que gritava sem som: “ahm?”). É que por aqui, quando a luz vermelha acende, não podes andar, nem mexer-te, nem espreitar. E tens de falar em mute. O problema é que o raio da luz está sempre em on e eu estou constantemente a receber as famosas caretas-ahm.
Durante esta semana também aprendi que por aqui decoração não é coisa de tias. É trabalho duro de carpinteiros em tempo record. Também há seis motoristas e catorze actores, muitos contractos e, principalmente, muitas clausulas de contractos. Favor sabe-las todas de cor. Por fim, há que salientar que isto não é religião, mas também tem bíblia. Há que lê-la e decora-la bem decoradinho, porque sempre pode chegar um “bastardo” de um jornalista e perguntar-te sobre um detalhe da serie que te esqueceste de estudar. “Vou consultar com a direcção e já lhe volto a ligar” é uma resposta que fica sempre mal. Mas o melhor é que agora quando soltam a típica do “nós os jornalistas estamos sempre com pressa” eu respondo sorridente: “pressa e a nossa especialidade”. É que há anos que sonho em receber esta resposta, e agora, quem sabe, possa fazer alguém feliz.

Dividindo código postal

Fazendo um pequeno flash-back, concluo que nunca tinha vivido num lugar onde não soubesse o nome das ruas mais importantes, o número de monumentos e a data da festa regional. Nunca tinha dividido a cidade com pessoas cujo único trabalho é repetir durante todo o dia, todos os dias do ano, “No flash, please”. Até hoje, o Dali, o Picasso e o Velásquez faziam parte de memórias de aventuras estrangeiras com tardes cansadas e mapas de museu na mão. As coloridas linhas do metro eram estampas de t-shirts e cenários de discussões de famílias perdidas. Agora todos fazem parte do meu código postal e, quando eu vou dormir, eles ganham alarmes em formas de raios lazer. Já começo a perceber a graça de viver “na cidade grande”.

No deserto urbano

Nestes meus dois dias em Madrid descobri que quando dizemos “Hasta luego” respondem-nos com “adios”, que a Xunta não tem xis e está sinalizada com um éme. O supermercado não fecha à hora do almoço e os shoppings abrem um domingo ao mês (um progresso significativo).
Os dois madrilenhos que conheci hoje disseram-me que eu tinha sotaque galego. Eu respondi-lhe: “Es que soy de Galicia”. E eles contra-atacaram: “Cuándo dices que eres gallega, quieres decir que eres portuguesa?”
Agora quando conto que venho de Portugal já ninguém me presenteia com um “me encanta tu país”. A nacionalidade, de repente, perdeu a piada.
Em Madrid os parques chamam-se “pulmões da cidade”. São castanhos e despidos.
As pessoas queixam-se da falta de chuva, mas pelo menos pode-se dormir com a janela aberta: as melgas não resistem à secura.
Madrid é um deserto urbano.
Por aqui as pessoas estão todas queimadas. Um laranja-solário “precioso”.
Hoje fui ao supermercado e gastei 80 euros. Paguei pela renda do meu quarto o mesmo que pagávamos na Galiza pela nossa casa de três assoalhadas, duas casas de banho, cozinha, sala e lavandaria. Voltei para casa e confortei-me no meu vício: é que por aqui as gomas são mais baratas.
Na Galiza havia os autocarros (que raramente compensavam) os táxis (que só conheci com a tarifa nocturna) e os pés. Em Madrid há o metro e o metro ligero (15 linhas no total). Também há os autocarros (que me levam ao centro em “apenas” 20 minutos), os táxis (que desde o aeroporto custam 30 euros) e os Buhós (ainda por testar). Em Vigo os “autobuses” chamam-se Vitrasa, aqui o comboio tem o nome de Cercanias.
Hoje um amigo perguntou-me: “E vais conseguir trabalhar para uma produtora sem ver televisão?”. Eu hesitei um pouco e depois respondi-lhe: “Não deve ser um vício difícil de apanhar”.
Ao pensar em tudo isto lembrei-me de um tema de reportagem para propor. Mas, a partir de agora, quem as vais escrever já não vou ser eu.

Nos últimos quatro anos...

- Vivi em quatro países diferentes;
- Aprendi dois idiomas novos (e esqueci um deles);
- Dei a volta à Europa de comboio e à América do Sul de barco;
- Fui ao meu primeiro casamento;
- Fiz sete mudanças e doze jantares de despedida;
- Perdi duas amigas (os amigos que ganhei são incontáveis);
- Aprendi a gostar de chocolate;
- Tirei uma licenciatura, uma pós graduação e um mestrado;
- Fiz três estágios e tive dois contractos de trabalho;
- Tive dois namorados diferentes;
-Engordei 8 quilos e emagreci 10;
- Fui entrevistada pela BBC;

Agora que estou prestes a embarcar numa nova aventura, lembro-me daqueles saudosistas que dizem que a infância é a melhor altura da vida.

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