El flequillo

Sou amiga de uma das cabeleireiras da tevê. Andávamos há uns dias a comentar o lamentável estado do meu cabelo. Sem corte, sem graça, etc e tal. Então uma tarde (depois de muitos desencontros) ela perguntou se eu queria que me cortasse a franja. Neste ponto é preciso sublinhar que "franja" para mim é um pedaço de cabelo mais curto, penteado para o lado esquerdo e que tem como função tapar as minhas orelhas (dumbas?). Então ela diz-me de tesoura na mão:
- Marina, alguma vez já tiveste franja? Franja de verdade?
Eu respondo que não e no momento que lhe ia explicar o "probleminha" e a necessidade de tapar as minhas Dumbas...
ZAZ!
- Agora já tens! - Diz ela, orgulhosa do seu trabalho.
E essa é a historia de como eu ganhei um "flequillo" e como, depois de anos de auto-enganação, as pessoas agora comentam: "Ah, nunca tinha reparado que tinhas as orelhas grandes". Inspira, expira, inspira, expira.

Cotorreando #4 Dumbas

Em Coruño (a lingua/calão usado pelos jovens corunheses)orelhas diz-se "Dumbas".
Morri.

Cotorreando #3 "El Balado baladí"

Tinha de partilhar isto convosco. O rapaz que trabalha comigo chama-se Balado. Ontém, já num atrofio mental de tanto trabalho, chamei-o "baladí" (ver Cotorreando#2) e, acto seguido, tive um ataque de riso descontrolado. Só dizia "El Balado baladí!" e gargalhava mais e mais. A minhas piadas nerds estão a ficar preocupante. Por favor, ajudem-me.

Cotorreando #2 "La impudicia del debate baladí"

Tenho um problema, e é que eu trabalho num programa de debate de actualidade, que é como quem diz, um programa de, basicamente, política e economia. O problema não é o programa em si, nem os temas que trata (que eu amo os dois de paixão), o problema, repito, é que vivo rodeada de intelectuais de primeira linha, de argumentações rebuscadas e, claro, uma linguagem não propriamente quotidiana.
E então ontem um convidado queria dizer que o político xis tinha falta de vergonha da cara. Mas não! Que linguagem mais comum, onde já se viu dizer”desavergonhado” numa tertúlia politica. E é então que aprendo uma palavra nova para o meu dicionário eloquente: impudicia. Minutos mais tarde, vem o outro e responde que esse e um assunto insignificante, mas, claro, não podia ficar atrás do anterior, então vai lá e diz que o tema do nosso debate é “baladí”. “La impudicia del debate baladí”

A internet

Tenho uma amiga que não tem internet em casa. Só tenho uma amiga, de todos os meus amigos que espalhados pelo mundo, que não tem internet em casa. E isso faz dela um bichinho raro, um ratinho de laboratório que eu observo com especial atenção. Sabia que ela entreva ao meio-dia no trabalho. (Eu entro as três, que fique bem claro). Então outro dia conversando com ela, falava-me da rotina que tem pelas manhãs. Rotina tipo acordar, tomar banho, comer o pequeno-almoço e ir trabalhar, pensei. Mas não. Parece que ela acorda todos os dias às oito da manha. Toma o pequeno-almoço, vai ao ginásio, vai ao supermercado e combina com o namorado de ir tomar um café. Volta para casa, toma banho, faz uma sandes para o lanche, vai para o trabalho (que está a 20 minutos da casa dela) e ali chega, pontualmente, ao meio-dia. Só para terem um termo de comparação, aqui vai a minha rotina matinal de forma telegráfica: acordo às onze. Ligo o computador. Saio da cama as 12.30. Pequeno-almoço e banho, já é uma e meia. Vejo as notícias e para o trabalho. Agora penso que se calhar o meu problema não é a preguiça, é a internet. Esse bichinho maldoso.

Cotorreando #1

Inauguro hoje uma nova seccão no MargemDeErro. Chama-se Cotorreando e aqui partilharei com vocês todas as palavras novas que va aprendendo neste ¿apaixonante? idioma. A primeira, cómo no, tinha de ser Cotorrear, ou seja, Tagarelar. Porque é falando que se aprende a falar.

Ciclogenese explosiva

Na Galiza chove. Chove muito. Na Galiza há borrascas, ciclogeneses explosivas, granizo e, recentemente, tornados. É por isso que eu nunca tive um guarda-chuva na Galiza. Não adianta, não resiste. O seu tempo de vida é de mais ou menos 0,5 segundos. É também por isso que eu ontem comprei umas galochas (bem, na verdade são umas botas de equitação de plástico… Mas digamos que para mim são galochas), tirei os casacos compridos e gorros do armário. Agora já não vou andar por ai com pés molhados, cabelo empapado e roupa encharcada. Agora já estou preparada. Que venha o inverno!

"Isto"

Já ouvi muitas vezes e tenho a certeza que continuarei a escutar com certa frequência a pergunta: “Porquê a Corunha? Porquê a Galiza?” Vi muitas caras de desilusão quando troquei Madrid e um trabalho com 4 milhões de espectadores, pela Galiza e as audiências de 300 mil. Desaprovaram, disseram-me que não fosse, torceram-me o nariz.
Mas eu vim. Mesmo aqui perguntam-me chocados como fui capaz de trocar Lisboa por “isto”. Então passo a contar o que é “isto” e porque é que “isto” me faz tão feliz.
Vivo a 10 minutos da praia, 5 minutos do ginásio, 0,5 minutos do supermercado, 0,7 minutos do banco. Vivo a 1 minuto do centro comercial, do cinema e da esplanada para tomar uma cerveja numa tarde solarenga. Tomo o pequeno-almoço no bar da esquina, onde leio gratuitamente os jornais locais e nacionais. Todos os meus amigos vivem no máximo a 15 minutos da minha casa (não há distancias maiores que esta na minha cidade). Trabalho com política e economia e todos os dias tenho um desafio intelectual maior que o anterior. Quando chega o fim de semana entramos no nosso modo de ferias. Passeamos pelo paredão e pelo centro da cidade. Comemos churros, gelados e coisas gordas. Queremos lá saber se isso engorda. Fazemos almoços caseiros, vamos a restaurantes de moda e saímos à noite. Saímos “até à morte” como costumamos dizer. E quando o sol nasce voltamos para casa, a pé, fechamos as persianas e dormimos até quando nos apetecer. Porque “isto” é a minha vida. Sem satisfações que dar, problemas maiores que resolver, grandes dramas, obrigações ou stresses constantes. Se calhar um dia farto-me, deixo tudo isto e vou viver para Tokio, mas até lá, parem de me perguntar o que estou a fazer neste fim do mundo. Porque eu contunuarei a dar sempre a mesma resposta: "Isto" é o meu pequeno paraíso.

24, parte 2

O assunto de que “a Marina só tem 24” foi o tema da noite. E então eu, para tentar desviar as atenções do cliché “és muito madura para a tua idade”, comecei a perguntar a toda a gente o que tinham feito de grandioso quando tinham 24. Contaram-me histórias do primeiro trabalho, do final do namoro e da faculdade. Histórias de viagens aos estados unidos e trabalhos em hotéis à beira da estrada. Aventuras em cidades desconhecidas e loucuras de noites descontroladas.
Quando tinha 23 vivi em Madrid. Conheci actores, viajei muito e desapeguei-me do meu passado. Quando tinha 23 fui ao Canadá, estive dois meses sem comer gomas e descobri a minha paixão pela televisão. Com 23 aprendi que não preciso de ninguém para ser feliz. Que na hora do vamos ver estamos sozinhos e que se não buscarmos a nossa felicidade, ninguém vai buscá-la por nós. Os 23 foram um dos anos da minha em que mais cresci e mais madurei. O ano em que fiz paz comigo mesma.
E agora estou na expectativa. O que o futuro tem guardado para os meus 24?

24, parte 1

Tenho 24 e todos os meus amigos rondam os 30. Tenho 24 e sempre fui um pouco precoce. Tenho 24 e ninguém acredita.
Chegámos ao meu jantar de aniversario e estávamos a tomar uns aperitivos quando um amigo pergunta: “Quantos anos fazes?”. “24”, digo. E ele responde com uma cara de choque: “Quantos?, 24?”. Nesse momento se incorpora outra amiga ao barulho e diz. “Claro que não é 24, ela queria dizer 34!” E todos respiram aliviados. “Ah, claro, 34!”. Quando tinha 16 adorava que achassem que eu tinha 18. Quando tinha 18 sorria quando me diziam que tinha 25. Mas agora já não sei se estou a achar tanta piada a isto de “parecer mais velha”.

Mais um sábado

Cinquenta e dois. Sim, durante este ano houve/haverá cinquenta-e-dois sábados. Um deles era o dia do meu aniversário. Um sábado qualquer perdido aí no meio de tantos dias. E então um dia o Papa acorda e diz: Rá! Acho que destes 52 sábados vou escolher o dia 6 de Novembro para visitar a Galiza. Não, não podia ser outro dia. Não, não podia ter ido a outro lugar. Não, tinha de vir à Galiza no dia dos meus anos. Dizem que foi bom porque vou ter um ano abençoado. Porque quem entra o ano a trabalhar, trabalho não lhe faltará. Que a adrenalina é a droga de qualquer jornalista. Pois é. Este ano o meu aniversario era num dia não laboral, mas, caprichos da vida (e caprichos do Papa), este sábado foi o primeiro e único sábado do ano em que eu tive de trabalhar. Então adeus planos de viagens, passeios e telefonemas. Foi um dia duro, de dores de cabeça, suores frios e alguns insultos. Dia de gritos, risca-escreve e olho stressado. Mas foi também o dia de ouvir os parabéns cantados em portuñol, de receber três bolos de aniversário e muitos beijinhos e abraços sinceros. Não atendi quase nenhum telefonema. Não respondi a nenhuma mensagem. Não tive um dia da princesa. Mas quando o trabalho acabou, gritámos “Sobrevivemos ao Papa” e o resto é a história de trinta pessoas desaparecidas na noite coruñesa. Assim se cria uma nova lenda.



Este ano

Este ano não vai haver papá, nem mamã. Não vai haver puxões de orelhas, bolo de aniversário o manhã de presentes. Este ano não há jantar no bairro alto, sangria e amigos que são quase irmãos. Este ano vai ser diferente.
Ofereci-me uma viagem e um jantar num restaurante de moda. Comprei todas as gomas que consegui encontrar. Paguei tudo e não olhei a conta. Organizei uma festa e fui aos restaurantes implorar para darem de comer a 30 pessoas. Continuamos em negociações.
Faço anos daqui a poucos dias e amanhã, pela primeira vez na vida, vou comprar-me um presente de aniversário.
Porque este ano decidi dar-me os parabéns a mim mesma.

Num instante

A minha profissão é assim. Vivo esta semana a pensar na seguinte e a seguinte a pensar na outra. Tenho uma agenda de papel reutilizado que vou riscando, perdendo e recortando. Então anoto e volto a anotar. Planifico, pesquiso e decido. Até que vem a realidade e muda tudo. E então toca a reoganizar, reconvocar e recolocar. Tudo para a semana que vem. É terça e já estamos a pensar no sábado. E sábado será dia de pensar na próxima quinta. E assim, com a agenda em avançado parece que o tempo corre mais depressa. De repente, já passaram seis meses, sete meses. Mas como aqui o tempo é progressista, já estou a pensar em daqui a um ano. Assim, não há como não achar que a vida passa demasiado depressa.

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