Capitulo II, Os Amigos

Eles vêm buscar-te ao aeroporto, abrem-te a porta de casa em pijama e, cara ensonada, sorriem quando te veem. Com eles rio, conto, falo. Falo, falo, falo. 6 horas seguidas, sem aborrecer, 24 horas, noites a fio. Gargalhadas abafadas até às duas da manhã.
Com eles, os amigos, tudo está bem. Comemos do mesmo prato, usamos a mesma prateleira do frigorífico e dormimos na mesma cama. "Contigo não há ca cerimonias", dizem. E aquecem-me a alma.
Tanto faz se te dói a garganta e preferes ficar em casa. Se jantamos comida de ontem. Se recusas o jantar e ficas-te pelo chá. "O importante é estar juntos". Olhadas cúmplices na rua, abraços e beijos que a vida adulta nos tirou.
Os amigos são casas espalhadas pelo mundo. "Que sorte, és tão internacional", comentam. Sorte e saudade. Ter amigos como os meus é conjugar esse verbo a través do whatsapp. É passar semanas, meses, sem um "ola, bom dia" e acabar metida na sua casa, encaixada na sua rotina.
E quando pensava que esta viagem acabaría num eu mais independente vejo-me aquí, saudosista, a gabar os meus amigos.

Saudades, Lisboa


Estes dias de inverno com sol, esse jeito bruto de ser. 
Um afeto pouco palpável. Um humor de mal humor. Goza, humilha, critica e reclama. E vem dai uma chapada. Carinhosa, claro. Hahaha. Que cómico.
Saudades. Ao ver os bancos de namorados ao sol. Foram tantos jardins, tantos bancos de jardim. Tantas horas no sol de inverno a alimentar um qualquer amor adolescente. Não, não foi para sempre. Mas valeu a pena.
Sorrio ao ver o semafro da avenida de Berna. A faculdade em forma de livro. A pastelaria dos queques gigantes. Não me lembrava que a estação tinha cheiro. Mas tem. 
Saudades da tosta mista, do carioca de limão, da torrada e do silencio da cidade. Paradoxo.
Estas ruas que na verdade nunca foram minhas. Que pena. Sempre quis ter uma cidade como esta.
Uso mapas como se fosse turista e sinto falta daquilo que não tive. Um filme no São Luis, um copo no Cais do Sodré, um amigo que liga "pra saber se ta tudo bem". Digo palavras que não existem. 
Só eu percebo a importancia de comer castanhas em fevereiro. Só eu me emociono com um "queres erva?" dito no meio do Rossio. Só eu suspiro com o som reconfortante do comboio depois de um dia cansativo. É terapia barata: 2,05.
Volto a Lisboa e sou adoledcente. Não tenho 30 anos nem uma vida independente. Sou eu, de cabelo vermelho, roxo, loiro (tanto faz), a falar alto, a gritar, a jogar ao lobo, a passear com cachecois que se arrastam no chão, a almoçar de domingo em frente ao mar. 
Sou eu. Ou se calhar não.

Subscribe